WE NEVER LEFT THE HOUSE

De 29 de Julho a 07 de Outubro de 2023

Artista: Zazie Ray-Trapido | Curador: Sandro Leite

NOTA DO CURADOR

A arte é, por natureza, campo de experimentações e registros de experiências vividas, desejos e sofrimentos: quando o artista pinta ou modela sua dor, tem a chance de elaborá-la.

Se toda obra nascente é fruto de uma individualidade que se faz visível, diríamos que é, sempre, autobiográfica: Nazareth Pacheco, Joseph Beuys, Jo Spence, Frida Kahlo, Lygia Clark ecoam um tipo de fazer artístico explicitamente conectado com experiências traumáticas. São “pessoas” que revelam artisticamente um caráter disturbacional, termo implantado por Arthur Danto para qualificar obras que conectam arte e vida, que colocam à mostra a própria realidade, como o perigo, a morte, o medo, a doença.

Inaugurada no século XX, a literatura de testemunho professa o ato de falar sobre experiências vividas, acontecimentos. São relatos em primeira pessoa: diante da oportunidade de se fazer ouvir, tem a chance de se curar! Mas na impossibilidade de se colocar em primeira pessoa, outros agentes cumprem essa função, ou porque são solidários, porque dominam os meios de expressão que melhor descrevem as experiências que foram relatadas ou mesmo por vinculações geracionais: ao olhar no espelho vejo a mim, vejo você e tantos outros que me compõem!

A permanência das imagens refere-se a memórias. Mas o que são memórias? São clarões, reminiscências de eventos passados que, quando acionadas, reanimam-se com novos significados, valores, entonações. Resgatar uma memória é sempre oportunidade de apresentá-la ao mundo com nova roupagem, renovada. Mas quem vive de memórias corre o risco de postergar qualquer possibilidade de redenção. Quem as reanima, talvez consiga transcendê-las. Fotografias pintadas re-animam! Dão novo frescor, nova coloração.

As imagens são símbolos, porque tudo é símbolo, como sabia Goethe. Imagens de fotografias pintadas e reanimadas são símbolos de cuidado: o alimento e a função da nutrição; a flor e o jardim por onde se passeia; a casa e o corpo que ocupam um espaço, que são habitados e necessitam ser continuamente revisitados, cuidados, acionados.

A insistência da vida é também o encadeamento de imagens, como um filme composto por enredo, personagens, o desenrolar de gestos, objetos, ações, cenas: uma fotografia pintada que se movimenta no tempo.

O individuar-se está menos nos mosteiros, templos fixados nos topos das montanhas do que no embate diário au rez-de-chaussée, nas cenas do cotidiano, nos conflitos e resoluções humanas, nos engasgos e nos alívios, nas pretensões e nas frustrações, nos pesares e nas alegrias.

Um novo capítulo, descobertas.

Apoteose!

NOTE FROM THE CURATOR

Art is, by nature, a field of experimentation and records of lived experiences, desires, and sufferings: when the artist paints or models their pain, they have the chance to elaborate it.

If every nascent work is the result of an individuality that makes itself visible, we would say that it is always autobiographical: Nazareth Pacheco, Joseph Beuys, Jo Spence, Frida Kahlo, Lygia Clark echo a type of artistic making explicitly connected to traumatic experiences. They are "people" who artistically reveal a disturbing character, a term coined by Arthur Danto to qualify works that connect art and life, that put reality itself on display, such as danger, death, fear, illness.

Inaugurated in the 20th century, testimonial literature professes the act of talking about lived experiences, events. These are first-person accounts: faced with the opportunity to make yourself heard, you have the chance to heal! But if it is impossible to put oneself in the first person, other agents fulfill this function, either because they are sympathetic, because they dominate the means of expression that best describe the experiences that have been reported, or even because of generational ties: when I look in the mirror I see myself, I see you, and so many others who make me up!

The permanence of images refers to memories. But what are memories? They are flashes, reminiscences of past events that, when triggered, are revived with new meanings, values, intonations. Recovering a memory is always an opportunity to present it to the world in new clothes, renewed. But those who live on memories run the risk of postponing any possibility of redemption. Those who revive them may be able to transcend them. Painted photographs re-animate! They give new freshness, new coloring.

Images are symbols, because everything is a symbol, as Goethe knew. Images of painted and reanimated photographs are symbols of care: the food and the function of nourishment; the flower and the garden that one walks through; the house and the body that occupy a space, that are inhabited and need to be continuously revisited, cared for, activated.

The insistence of life is also the chaining of images, like a film composed of plot, characters, the unfolding of gestures, objects, actions, scenes: a painted photograph that moves in time.

The individuation is less in monasteries, temples fixed on mountain tops, than in the daily clash au rez-de-chaussée, in the scenes of everyday life, in human conflicts and resolutions, in chokes and in reliefs, in pretensions and frustrations, in sorrows and in joys.

A new chapter, discoveries.

Apotheosis!

Sobre a Artista

Zazie Ray-Trapido é uma artista e filmmaker da Filadélfia, com sede em Los Angeles e Nova York. Seus trabalhos criam vinhetas narrativas do cotidiano e do pessoal. Os seus filmes foram exibidos no Curtas Vila do Conde, REDCAT, Athens International Film and Video, Antimatter, Engauge, Bideodromo, San Diego Underground, The Clemente Center e Mimesis.

Zazie participou do Sundance New Frontier Lab: Filadélfia e recebeu a bolsa de pesquisa e prática da CalArts. Ela é formada em Teatro e Artes Cênicas pelo Bard College e tem mestrado em Film/Video pela California Institute of the Arts.

*O evento de abertura contará com a presença da artista, vinda de Los Angeles, após a estreia de seu mais novo filme no Festival de Curtas de Vila do Conde. Zazie estará trazendo uma instalação multimídia exclusiva para a galeria, que expande o universo de seus trabalhos cinematográficos e fotográficos anteriores.

Website da Artista

Nota da Artista

Este show explora família, casa e memória. Ele veio junto ao longo do processo de mudança nos últimos anos e aprendendo a se estabelecer. Em minhas fotos, busco uma sensação que olhar para fotos antigas e pessoais pode trazer: a sensação de estar no chão e no limbo ao mesmo tempo; uma profunda sensação de separação ao mesmo tempo em que sinto que nunca fui embora. Memórias contêm camadas, e toda vez que você olha para trás, talvez algo novo esteja lá, uma imagem se infiltra de outro tempo e lugar, ou uma fantasia que você sempre volta eventualmente se torna uma memória em si mesma quando você não pode mais retornar a ela.

Parece haver uma faca de dois gumes em se deixar envolver pelo conforto do lar. WE NEVER LEFT THE HOUSE fala sobre isso e encontra seus participantes à beira de algo - uma clara mudança iminente ou forças subjacentes em ação que lenta e discretamente provocam mudanças. Olho para meus amigos e familiares nesses filmes e fotos e observo que, nesses momentos, eles estão fazendo escolhas sobre ver ou não a mudança como uma ameaça, como uma desculpa bem-vinda para assumir riscos e crescer, ou para continuar com suas próprias vidas como de rotina até que a vida faça as escolhas por eles. Como me sinto mais confortável quando trabalho com a família e em lugares que conheço todos os cantos, meu trabalho parece uma casa da qual nunca preciso sair. Esta exposição então trata de identificar meu precipício e enfrentar tipos semelhantes de perguntas e escolhas sobre para onde ir a seguir se eu tiver que deixar esta casa.

Artist's Note

This show explores family, home, and memory. It came together throughout the process of moving over the last few years and learning how to settle. In my photos, I am searching for a feeling that looking at old personal photographs can bring: the sensation of being grounded and in limbo at the same time; a deep sense of separation while also feeling like I never left. Memories contain layers, and every time you look back, maybe something new is there, an image seeps in from another time and place, or a fantasy that you kept coming back to eventually becomes a memory in itself when you can no longer return to it.

There seems to be a double-edged sword nature to allowing oneself to be enveloped by the comfort of home. WE NEVER LEFT THE HOUSE speaks to this and finds its subjects on the precipice of something—a clear impending change, or underlying forces at work that slowly and discreetly bring about change. I look at my friends and family in these films and photographs and observe that in these moments they are making choices about whether or not to see change as a threat, as a welcome excuse to take risks and grow, or to continue to go about their lives per routine until life makes the choices for them. As I am most comfortable when working with family and in places that I know every corner of, my work feels like a home that I don’t ever have to leave. This exhibition then becomes about identifying my precipice and facing similar types of questions and choices about where to go next if I am to leave this house.